Formada em Pedagogia, com especialização no ensino de crianças com deficiência visual pela Universidade de São Paulo, trabalhou como voluntária na Santa Casa de Misericórdia por oito anos. Deu à luz sua filha Lara, que nasceu cega. Devido à sua história pessoal, surgiu a idéia de um projeto em benefício das crianças com deficiência visual. Fundou, em 1991, com seu marido Victor Siaulys a Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, da qual é presidente. Já tendo sentido na pele a dificuldade e a falta de informação de se ter um filho cego, ela queria auxiliar crianças e famílias na busca por uma qualidade de vida melhor. A Laramara, hoje, é referência na área em que atua. Confira entrevista exclusiva ao Jornal da AME:
Ame - A senhora é uma das pioneiras no processo de inclusão social às pessoas com deficiência visual. Como nasceu esse compromisso?
Mara Siaulys: Criar a Laramara foi uma proposta de minha família, descontente com a situação em que se encontravam as crianças com deficiência visual e suas famílias: precariedade de serviços especializados, de intervenção precoce, de apoio e suporte às famílias, creches e escolas. Quisemos então compartilhar com outras famílias a experiência que adquirimos com a educação de nossa filha Lara, cega desde o nascimento. Embora os trabalhos de Laramara tenham iniciados em 1991, a idéia de criá-la nasceu muito antes, nos momentos difíceis em que tivemos conhecimento da cegueira de nossa filha e sentimos grande dificuldade para educá-la, faltando-nos informações, recursos e apoio de toda natureza. Eu havia abandonado meu trabalho como professora de Geografia e fui fazer o curso de pedagogia me especializando no ensino de pessoas com deficiência visual. Iniciei em seguida um trabalho como voluntária na Santa Casa e lá vi a difícil situação de centenas de crianças necessitando de atendimento, e as dificuldades de suas famílias. Idealizamos um lugar onde a pessoa com deficiência visual encontrasse apoio para se desenvolver em todos os sentidos, contando com os melhores recursos e serviços, onde pudesse conviver, obter informações, preparar-se para a vida como cidadão integrado e integral. Tornar possível às pessoas com deficiência visual a acessibilidade em todos os locais, em todos os momentos, com igualdade de oportunidades para que se desenvolvam e participem da sociedade.
Ame - Se eventualmente não tivesse acontecido o episódio com sua filha Lara, que rumo sua vida teria tomado, que caminho teria seguido?
Mara Siaulys: Desde muito jovem eu queria ser educadora, fiz a faculdade e me tornei professora de Geografia. Quando Lara nasceu meus filhos estavam com 9 e 8 anos e eu sentia ser possível continuar meu trabalho, utilizando sempre métodos cada vez mais inovadores. O nascimento de Lara imprimiu novo rumo à minha vida, e a partir dai tudo mudou completamente. Tive que desviar o interesse e amor pela Geografia, pois precisava aprender rapidamente como educá-la. Mas tenho certeza de que, além de minha atividade profissional eu teria encontrado uma forma de contribuir para o bem estar de todas as pessoas, para a melhoria da qualidade de vida das crianças brasileiras.
Ame - AME - Mesmo após a partida de seu marido, Victor Siaulys, a senhora tem mantido a proposta iniciada com ele, como tem sido essa jornada?
Mara Siaulys: Laramara é uma instituição moderna, aberta, flexível, um espaço de prática e pesquisa. É considerada atualmente um centro de referência na América Latina no trabalho de educação e inclusão da pessoa com deficiência visual, numa proposta integral que inclui educação, emprego, cultura e lazer. O trabalho que iniciamos, Victor e eu, continua crescendo e se fortalecendo, graças à estrutura e organização que construímos e pela qual ele foi responsável em grande parte, com sua mente de empreendedor e sonhador.
Ame - Quais foram as maiores realizações e conquistas na área da inclusão da pessoa com deficiência visual?
Mara Siaulys: Laramara transformou-se em uma das mais atuantes instituições do Brasil e um centro de referência na América Latina no trabalho interdisciplinar de avaliação, diagnóstico e intervenção no processo de aprendizagem e desenvolvimento de crianças com deficiência visual e múltipla. Realiza encaminhamento escolar, orientação e apoio ao corpo docente de escolas públicas e privadas, creches, pré-escolas, ensino fundamental, médio e superior. Mantém ainda um curso de educação para o trabalho com orientação e encaminhamento profissional. Desenvolve publicações especializadas e possui uma rede integrada de informações. Importa e produz recursos de alta tecnologia, softwares, máquinas Braille, bengalas, jogos e brinquedos.
Ame - Quais são os principais desafios enfrentados no dia a dia?
Mara Siaulys: Nosso maior desafio nos dias de hoje é apoiar a inclusão de todos os brasileiros e Laramara procura disseminar suas experiências, conhecimentos, materiais pedagógicos e tecnologias, para todos os recantos do Brasil: realiza convênios, parcerias, participando de congressos, organizando cursos, produzindo recursos instrucionais e outras ações. Assim, distribuímos em parceria com a Secretaria da Educação Especial do Ministério da Educação – 5.000 kits Caminhando Juntos, com material informativo sobre Orientação e Mobilidade; 15.000 exemplares do livro Brincar para Todos, mostrando como confeccionar e brincar com 110 brinquedos especiais e 10.000 kits – A Inclusão do Aluno com Baixa Visão no Ensino Regular. A Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com deficiência produziu 9.000 kits Caminhando juntos. Em parceria com empresas distribuímos para escolas e instituições de todo o Brasil, máquinas, bengalas, manuais, livros e folhetos informativos sobre a educação da criança com deficiência visual e pranchetas para leitura.
Ame - De que mais necessitam hoje as pessoas com deficiência visual?
Mara Siaulys: Conscientes de que as pessoas com deficiência visual possuem necessidades específicas para sua educação e inclusão e que é fundamental seu acesso aos recursos essenciais à realização de suas tarefas escolares, cotidianas e profissionais, procuramos atendê-las. O aluno cego precisa da máquina braile, seu principal instrumento de educação. Recursos tecnológicos, desde os mais simples aos mais complexos, particularmente na área de informática, devem estar presentes nas situações de vida diária e principalmente na atividade profissional dessas pessoas. Assim, para facilitar sua inclusão escolar e social, nos empenhamos na fabricação da máquina braile e da bengala; no Acervo em áudio e em braile, na fabricação de brinquedos especiais, na produção de recursos instrucionais e muitas outras ações.
Ame - Conte-nos seus planos para o futuro?
Mara Siaulys: Pretendo continuar cada vez mais ativa no trabalho que realizo todos os dias em Laramara: dando palestras, desenvolvendo materiais instrucionais e brinquedos e trabalhando em prol da inclusão da pessoa com deficiência visual. Recentemente, lançamos o livro “Deficiência Visual Associada à Deficiência Múltipla e o Atendimento Educacional Especializado - Encarando Desafios e Construindo Possibilidades”, pela equipe de Laramara. Este livro é a realização de um sonho acalentado por 20 anos, o de sistematizar a experiência do nosso dia a dia com crianças e jovens com deficiência múltipla que correspondem a 60% de nossos atendimentos.
Ame - Deixe uma mensagem para nosso leitor, em sua maioria sem deficiência.
Mara Siaulys: Muitas mudanças ocorreram nos últimos anos em relação à situação da pessoa com deficiência. Sua inclusão foi beneficiada não só por leis e decretos, mas pelo envolvimento de toda a sociedade, que acredita cada vez mais em seu potencial e competência profissional, sendo sua participação cada vez maior em todos os níveis e setores da vida social. Sua situação é muito melhor agora do que há anos atrás e tudo estará melhor nos próximos anos: as informações são mais divulgadas, o preconceito diminuiu e as escolas e empresas abrem suas portas para recebê-las. Gostaria de deixar-lhes uma mensagem que representa o desejo de todos nós: Muito havia a fazer. Temos feito. Ainda há muito por fazer. Queremos fazê-lo juntos.
Fonte:
http://www.ame-sp.org.br/
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